... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


tuda.papel.eletronico@gmail.com

Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 5 - Maio 2009

Crônica - José Miranda Filho


Uma Tarde em Madri

Carlos amarelou! Ficou pasmo! Não sabia o que fazer. O cara, cheirando a álcool, que ninguém viu de onde saíra, postou-se à sua frente e com o dedo em riste apontado para o nariz disse: - Foi você! Vai pagar por isso, agora! Por alguns instantes Carlos tremeu. Não sabia o que responder. Depois de alguns instantes se encorajou e um forte sentimento de raiva dominou-lhe inteiramente. Queria partir para a agressão e revidar com tapas na cara a agressão que acabara de sofrer. Mas, impedimo-lo de o fazer, seus amigos, sentados à mesa de um restaurante, degustávamos um vinho enquanto saboreávamos um delicioso jamón. Nós presenciamos tudo, e, tudo ouvimos; os gritos, desaforos e a agressão verbal proferida em tom acintoso. O moço estava transtornado, furioso e demasiadamente embriagado. Sobre a mesa estava um panfleto impresso em duas cores e letras garrafais, anunciando o espetáculo de tourada que aconteceria naquela tarde em Madri. Aquele dia seria a consagração do grande toureiro Marcelo Pancho, ganhador do famosíssimo prêmio Dom Ramon, ano passado. Sua fama já havia chegado fora da Espanha. Esta seria a terceira vez que ele disputaria o campeonato espanhol de tourada. A cidade estava em festa. Os bares e confeitarias estavam lotados de gente que viera dos arredores de Madri e até as outras cidades. Enquanto aguardavam o início do espetáculo, aproveitavam o tempo disponível para um bate papo e uma taça ou outra de conhaque - Carlos I ou Cardenal Mendonza. O cidadão que ofendera Carlos já estava pra lá de Bagdá. Já não tinha domínio de si. Não tinha noção do que falava nem do que fazia. Seu olhar amarelado denunciava a quantidade de álcool que havia ingerido.

Ao atirar-se contra Carlos, cambaleou e esparramou-se sobre a mesa onde estávamos sentados, quebrando todos os copos e alguns pratos. O garçom correu imediatamente e o conteve, com auxílio de alguns presentes. A fúria demoníaca daquele biriteiro, que minutos depois soubemos tratar-se de um primo do toureiro Marcelo Pancho, nos amedrontou e nos fez temer por alguns instantes a infusão política separatista. Mas, felizmente, ele havia confundido Carlos com um cidadão basco, que dias antes, numa elegante confeitaria em Mahadaonda tinha agredido Marcelo Pancho, por ter dirigido gracejos a sua mulher.

Contidos os ânimos e desfeito o engano sob o efeito enérgico da polícia madrilena, que levou o cidadão à delegacia para esclarecimentos, prosseguimos com o bate-papo naquela tarde quente de Madri.

Madri, Outubro de 2006.