... da totalidade das coisas e dos seres, do total das coisas e dos seres, do que é objeto de todo o discurso, da totalidade das coisas concretas ou abstratas, sem faltar nenhuma, de todos os atributos e qualidades, de todas as pessoas, de todo mundo, do que é importante, do que é essencial, do que realmente conta...


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Em associação com Casa Pyndahýba Editora

Ano I Número 5 - Maio 2009

Conto - José Geraldo de Barros Martins


O Desenhista

Frederico Gianinni Tiépolo ficou surpreso com a chuva repentina, e embora possuísse automóvel, estava a pé: só entrava em um carro para cobrir um percurso igual ou superior a uns vinte quarteirões:

-"Distâncias menores deveriam ser percorridas caminhando", dizia.

Unindo o útil ao agradável, entrou em um bar, sentou-se e pediu um "Negroni" (gin, vermute tinto e bitter com meia rodela de laranja e meia de limão siciliano). Sempre tomava esse coquetel em dias chuvosos. Ao fixar o olhar na mesa ao lado, notou uma mulher chorando copiosamente. Reparou que ela era muito, mas muito bonita. Uma coisa que deixava nosso protagonista perplexo era a figura de uma dama em prantos; - linda daquele jeito então.

- "A senhorita está resfriada??? Quer um lenço de papel???"

- "Obrigado, mas eu não estou gripada. É que briguei com meu namorado. "

- "É, que pena. Quanto tempo de namoro???"

- "Nove semanas."

- "Poxa. Só isso."

- "Mas eu achava que era o grande amor de minha vida. E você, o que você faz???"

- "Eu sou desenhista de estória em quadrinhos."

- "Nossa, que coincidência, ele também era."

- "Ele quem???"

- "Meu ex."

- "Esqueça. mudando de assunto, você quer ver meu super-herói??? Vou desenhá-lo aqui no guardanapo. Garçom, uma caneta por favor!!!

"Frederico traçou meticulosamente as linhas até formar "O Hiper-Homem", sua criação: um super-herói formado por uma porção de homenzinhos, tal qual o Simurg de Farid al-Din Attar (um pássaro formado por outros trinta pássaros) ou a Águia composta por milhares de reis justos, do Canto XVIII - Paraíso, da "Divina Comédia" de Dante Alighieri. Nosso amigo explicou à beldade, a diferença do "Híper-Homem" que, sendo constituído por pequenas pessoas, era uma alegoria do povo (simbolizando as forças populares), enquanto que o "Super-Homem" era uma só pessoa única, ou seja uma alegoria do individualismo (representando as forças egóicas do capitalismo).

A conversa seguiu animada, trocaram um beijo úmido, no dia seguinte mais, no outro mais ainda, até que estavam namorando. Ela contava os dias. Quando o namoro completou um mês, fez um jantar para ele. Cardápio: Alheiras (de entrada), Açordas de Mariscos (como prato principal) e Toicinhos do Céu (de sobremesa). Para beber vinho Pêra-Manca.

- "O próximo mês é a sua vez." disse esperançosa.

Mas Frederico estava muito ocupado, concebendo estórias de seu híper-herói, e esqueceu-se de preparar algo para comemorar os dois meses de namoro. Ela esperou uma semana para que ele se desculpasse. Mas ele estava absorvido em seus desenhos. Ela não agüentou mais, brigou com ele e foi beber alguma coisa sozinha. O nosso amigo saiu para caminhar sem se dar conta que as nuvens estavam carregadas. Começou a chover. Ele correu para um bar, o mais próximo, sentou-se e pediu um "Negroni". Sempre tomava este coquetel em dias chuvosos.

Ao fixar o olhar na mesa ao lado, notou uma mulher chorando copiosamente. Reparou que ela era muito, mas muito bonita. Uma coisa que deixava nosso protagonista perplexo era a figura de uma dama em prantos. Linda daquele jeito então.

"A senhorita está resfriada??? Quer um lenço de papel???"